Anatomia de uma queda

Alexsandra Fabre
4 min readFeb 16, 2024

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Anatomia é uma palavra que cai como uma luva para esse roteiro visceral. Até que ponto podemos calcular, mensurar ou chegar em uma verdade absoluta? Será que existe verdade absoluta? O decorrer de um julgamento, em torno de um acontecimento que ninguém viu, ninguém esteve lá. Que conta apenas com interpretações de pequenas situações. Como o psiquiatra de Samuel afirma ferozmente que seu paciente não poderia ser suicida do outro lado temos sua esposa dizendo:

“Não sei o senhor vem aqui, talvez com a sua opinião e me diz quem era Samuel e o que estávamos passando, mas o que você diz é apenas uma pequena parte da situação. Entende? Quer dizer, as vezes, um casal é uma espécie de caos e ambos estão perdidos, não? As vezes lutamos juntos, as vezes lutamos sozinhos e as vezes lutamos um contra o outro, isso acontece. E eu acho que é possível que Samuel precisava ver as coisas do jeito que voce as descreve, mas se um terapeuta estivesse me acompanhado ele poderia estar aqui também e dizer coisas horríveis sobre Samuel, mas essas coisas seriam verdade?” — Descrição fala 1:19:00

Somos expostos a várias perspectivas do que poderia ter acontecido de fato. Sandra matou o marido? Ele se suicidou? Ele tomou alguma medicação por engano? Ele tropeçou e caiu acidentalmente?

Daniel o filho entra em completo desespero entre acreditar que o pai havia desistido da vida, de ama-lo ou se a sua mãe seria capaz de matar seu pai. Daniel assim como muitos de nós entra em conflito existencial. O que eu acredito é real ou é apenas um pedaço falacioso de ideias inventadas? Como a verdade pode ser construída? Esse roteiro levanta muitos questionamentos assim como a nossa vida. A filosofia vem fazendo perguntas a mais de séculos. As perguntas são mais importantes do que as respostas. Ao final continuamos sem saber o que de fato aconteceu, afinal somente Sandra estava lá. Se ela foi responsável ou se estava apenas dormindo nunca teremos essa resposta. O filme retrata exatamente isso a importância de aprender a viver com as dúvidas, aceitar que tudo é uma questão de perspectiva, não importa nossas crenças pessoais isso não diz respeito ao outro. Afinal cada um de nós temos experiencias, repertorio de mundo distintos.

A tutora de Daniel diz algo interessante que ele tinha que tomar uma decisão, Daniel queria saber a verdade absoluta, mas ele não poderia. Ele precisava escolher entre as possibilidades que tinha. Com suas lembranças deturpadas, com suas emoções interferindo, sem sua visão e seu ouvido aguçado, com o seu desejo final ou o vies de confirmação.

O que vemos é um recorte e nunca poderemos ver o plano completo. Nas fotos pela casa vemos Sandra e Samuel rindo espontâneos. No entanto, a revelação do audio no julgamento é uma briga. Não existe linearidade em relacionamentos ora estamos amando, sorrindo ora estamos tristes, irritados e até mesmo amargurados. Esse julgamento não é sobre a verdade, mas é sobre a verdade que ao final decidimos abraçar. Se voce acredita que ela o matou, que foi um acidente ou um suicídio vai depender da forma subjetiva que você interpretou. Essa é a incerteza que todos nos carregamos.

Ter crenças e valores é importante para desenvolvermos nosso propósito, mas isso não deve ser inflexível ao ponto de fazer mal ao proximo, de menosprezar, de amenizar a dor de alguém diferente de nós porque não há nada concreto, estamos em constante movimento na forma que vivemos ou decidimos mudar, na forma de pensar ou agir. A liberdade é o que nos empurra para ir, para des“cobrir”.

Os estudos sociais mostram padrões de comportamento, mas até que ponto podemos levar isso ao pe da letra em nossas relações? O livro de violeta pode contar coisas horríveis de sua relação com homens, mas também conta que ela viveu dois amores que foi real para ela. Se voce acredita mesmo que a vida é somente sofrimento e fardo, bem não há motivo para aqui ficar né? O advogado mantém um desconforto mesmo após a absolvição de Sandra, aparentemente ele acreditava que ela o matou, talvez o fato de tê-la defendido trouxe culpa ou não, também nunca saberemos.

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Alexsandra Fabre

graduando em nutrição, técnico administrativo, corrida por hobbie, politica por necessidade. 1998